Havia sido uma semana difícil. Eu não havia dormido bem há vários dias. Quando me levantei no domingo de manhã, tudo o que pude fazer foi preparar os cem sanduíches de mortadela que são minha parte do café da manhã de domingo que oferecemos após o culto em na Praça do Derby. Atrasado como sempre, saí apressado com minha bolsa de ombro, alguns mantimentos e três sacos de sanduíches e fui para Derby.
Eu havia preparado algumas mensagens que ainda estava tentando decidir. Uma delas era a continuação de uma série que estávamos seguindo em Salmo 23. O outro era sobre a palavra de Jesus sobre a fé para mover montanhas em Mateus 17:19-21. Alguns dias eu sei exatamente o que vou ensinar e outros dias fico na dúvida.
Às vezes chego à praça e visito nossos amigos na hora antes do culto. Às vezes um me conta sobre algo que passou ou uma crise que está enfrentando que muda a direção que seguirei com a mensagem. Sei que parece meio improvisado, mas é minha maneira de tentar estar aberto para onde o Espírito pode levar a mensagem para aquele dia. Naquele domingo, o Senhor aparentemente teve algumas ideias diferentes.
Quando cheguei à praça, percebi que havia esquecido minha Bíblia na pressa de sair. Eu tinha meu telefone e podia ler nele, mas realmente prefiro uma Bíblia de verdade, pois a maioria das pessoas na rua nem tem telefone. Eu esperava que um de nossos voluntários trouxesse uma Bíblia, mas sem sorte.
Logo chegou a hora de reunir todos e começar nosso culto. Durante a música principal, minha mente ficou em branco em uma das três músicas que cantamos praticamente todos os domingos. Perguntei se alguém queria liderar uma música (o que pode ser um pouco arriscado). A Joana d’Arc começou logo a cantar uma música que eu nunca tinha ouvido. Como muitas pessoas que vivem na rua há muito tempo, ela luta com alguns desafios emocionais profundos.
Ao contrário do que se pode imaginar, a maioria das pessoas em situação de rua tem poucos amigos. E com tempo até apareçam inimigos. Mas, assim que ela começou a cantar vários outros que conheciam a música se juntaram a ela e se tornou um momento muito especial de adoração para todos nós.
Reunião dominical Praça do Derby
Quando chegou a hora da mensagem, expliquei que havia esquecido minha Bíblia e estava prestes a pegar meu telefone quando um jovem em situação de rua à minha esquerda disse “você pode usar a minha!” Ele me entregou uma Bíblia bem conservada com uma bela capa. Certamente era o bem mais valioso que ele possuía. Eu nunca o tinha visto antes, mas lá estava ele com sua Bíblia, pronto para compartilhar.
Eu tinha decidido ensinar sobre a passagem a respeito da fé que move montanhas quando outro sentado ao lado daquele que me emprestou sua Bíblia disse: “Leia Filipenses 4:11-13”. Eu estava pensando ‘mas não estou pronto para ensinar sobre isso’, então olhei para ele novamente e ele apenas disse com firmeza: “Leia Filipenses 4: 11-13”.
Sim, outro morador de rua que vive na Palavra… Então comecei a abrir em Filipenses 4:11-13. Havia uma semana eu enviei uma mensagem para o grupo de oração deste minstério sobre Filipenses 4:13. É uma passagem preciosa para mim, e na qual tenho pensado muito ultimamente. Por isso enviei aquele e-mail. Mas José, o rapaz que me disse para ler aquela passagem, não sabia nada sobre meu e-mail. O que o fez me dizer para ir apenas para essa passagem?
Pessoalmente, entendo a declaração de Paulo “Posso todas as coisas naquele que me fortalece”, não como uma proclamação triunfal de Deus me concedendo sucesso diante de todos os desafios, mas de como ele me dá forças para superar os momentos mais difíceis. Não se trata de vitória triunfante. É sobre encontrar forças para continuar em tempos impossíveis. E quem estava me dizendo a passagem que eu precisava ler naquela manhã? Um morador de rua chamado José.
Aí, o rapaz que me emprestou sua Bíblia disse: “E leia o Salmo 77”. Eu tomei um susto quando ele disse isso. É uma longa história, mas Salmo 77 me leva a um dia anos atrás quando presenciei pessoalmente o primeiro milagre que vi o Senhor realizar logo após a minha chegada em Recife.
Você sabe que mensagem ouvi naquele domingo em nossa pequena assembléia de homens e mulheres em situação de rua em Recife? A mensagem que ouvi foi: ‘Dennis, esta igreja não está aqui apenas para você ministrar a seus amigos em situação de rua. Está aqui para seus amigos em situação de rua ministrarem a você também. Porque estou ministrando a todos vocês através da minha igreja. VOCÊ incluído!’ Claro, há aqueles que vêm ao nosso culto de domingo principalmente para o café da manhã. Mas, há aqueles que vêm também com fome da Palavra. E com uma palavra própria para compartilhar.
Joana, Alexandre, José, e ??
(da esquerda para direita Joana d’Arc, Alexandre que me emprestou sua Bíblia, e José que me deu a passagem para ensinar. Não sei os nomes dos dois homens à direita. Mas Jesus com certeza sabe! O de preto trouxe Alexandre que trouxe sua Bíblia. Eu já me perguntei, será que o homem à direita pode ser um anjo?)
Os milagres da Bíblia esquecida que Deus providenciou, as passagens não planejados que Seus servos ocultos invocaram, a bela canção que sua filha quebrada cantou… tudo isso me falou de milagres. “Pequenos” milagres. Discretos. O tipo que é muito fácil de perder de vista. A não ser que você está precisando desesperadamente de um milagre.
E ouvi meu Senhor dizendo: ‘Esta pode não parecer minha igreja para muitas outras pessoas, mas você e eu sabemos que é minha igreja. E é isso que importa.’. E então, ‘Minha igreja ministra a todos os necessitados. Não apenas aqueles em necessidade física e material, mas aqueles em todo tipo de necessidade. Até ministra a ministros.’
Uma última coisa. Eu nunca tinha lido uma tradução de Filipenses 4:13 como aquela daquela Bíblia emprestada. Diz assim: “Posso fazer todas as coisas que Deus espera de mim com a ajuda de Cristo que me dá força e poder”. Você pode dizer um amém a isso?
Obrigado por suas orações. Para mim. E para a família e amigos de Jesus em sua igreja que se reune na Praça do Derby Recife, Brasil.
